Conto autoral: Unhas Pretas





Unhas pretas


Autora: Luisa Soresini


Eram três horas da tarde. Hoje definitivamente é um dia que não passa.

- Você vai mesmo pintar suas unhas de preto? - Encarei minha manicure entediada e ela ficou meio sem graça – É ano novo né? E preto, bom, não combina com essa data...

Suspirei fundo. Achando aquilo insuportável.

- Por que acha que preto não combina com ano novo? – perguntei meio irritada – Tem algo errado com o preto?

Ela ficou meio na dúvida se respondia ou não a pergunta, mas tomou coragem e continuou:

- Bom... É uma cor que lembra luto, morte... Não traz boas coisas, boas vibrações, sabe? É uma ótima cor para você usar no dia das bruxas, por exemplo... – sorriu – Se quiser posso fazer umas unhas lindas decoradas nessa data para você!

Não acredito nisso. Não acredito mesmo.

- Então acha que se eu usar essa cor hoje à noite, eu posso trazer bruxas ou até má sorte? – ironizei.




- Bruxas não... – ela engoliu a seco, duvidosa – Má sorte talvez.

Bufei. Todo ano era a mesma coisa. Eu mudava de manicure, de salão, de pessoa e todo mundo vinha com aquele mesmo papo. O que as pessoas têm a ver com minhas unhas pretas?

- Por que não passamos então outra cor? – ela voltou a sorrir – Você ficaria muito bem de rosa, ou vermelho... Azul também é legal, é cor de esperança.

- Vai preto mesmo, moça!

- Tem certeza? – ela ficou desapontada.

Suspirei pensativa frente à expressão dela. Era sempre aquela expressão desgostosa. Suspirei e deixei o tempo passar por alguns segundos, vendo se aquele dia finalmente passava. Mas não passava.

Infelizmente.

Então me deixei levar por aquela coerção social idiota.

- Rosa... Passa rosa então.

- Sério? – assenti emburrada e ela correu e pegou a cor mais chamativa que conseguiu. Passando-a em meus pés e mãos com muita felicidade. Como se aquilo pudesse mesmo impedir que o meu gosto por preto chame bruxas ou má sorte.

Paguei a conta e sai do salão, meio indignada com aquele esmalte colorido e carnavalesco. Bufei. Era sempre a mesma coisa, aquela mesma rotina neste dia. Fui para casa e me preparei para a virada. Vesti uma roupa qualquer e fiz questão de colocar uma calcinha rosa para completar aquele conjunto sem noção de ano novo.

Cheguei à praia mais entediada ainda. Não sei por que eu continuava fazendo aquilo todo o ano... Parei e suspirei aquele ar carregado de energias positivas. Aquela praia linda, lotada de gente, esperando os fogos de artifício. Seria que aquele ano podia ser diferente? Suspirei fundo e olhei ao redor. Vi a moça que fez a minha unha perto de mim. Na verdade, ela estava basicamente ao meu lado. Sorrindo e apontando para as minhas unhas. Feliz. Ela ia se aproximar, quando começou a contagem.


...5...4...3...2...1!


Os fogos não subiram. As luzes se apagaram e ficou um breu danado. Quando a luz voltou dava para ver a barca dos fogos pegando fogo na nossa frente. As pessoas chocadas. A música parou e as energias positivas também.

- Meu Deus, você viu isso? – ela ficou do meu lado, segurando minha mão.

- É não deu certo mesmo... – olhei minhas mãos e comecei a rir, impressionada com minhas habilidades.

- O que não deu... – ela se virou para mim e ficou chocada – Estão pretas?! Suas unhas estão pretas? Você tirou o esmalte?

- Pois é... – sorri e fui me afastando dela, ao som do corpo de bombeiros e policiais, então começou a chover e todos saíram correndo, enquanto a mulher continuava me encarando assombrada – Isso que dá tentar espantar a má sorte! – ri.

Talvez ano que vem eu use azul... Vai ver consigo realmente chamar bruxas, como fiz no ano passado.


***


Obrigada pela leitura!

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